04/06/2009

ALFREDO (Você Conhece O Bar Alfredo?)

Sábado, 24 de abril de 2004 – Um pouco depois das 4:30 da manhã, ou não.



Não importa. Fomos para o Bar, Restaurante, Lancheria, Cafetódromo (leia-se Pimp house), Café e Casa de Carnes Alfredo. Com aquele clima de rodoviária, garçonetes bigodudas de boné e avental sujo de tanto esfregarem as mãos. Despreocupadas com seus filhos ranhentos esperando sozinhos em casa. Balcões engordurados, óleo de soja e vinagre sobre a mesa. Papel higiênico cagado e pisoteado pelo chão dos banheiros entupidos. Um museu de salgados e croquetes, e um forte cheiro de fritura espalhado por todo o ambiente. Louis, Fábio, Gabriel, Papi e eu, numa mesa próxima ao banheiro. A penúltima mesa do corredor central. Uma mesa comum até que se prove o contrário. Eu, pelo menos, não queria provar nada ali, nem de graça. Entramos lá para matar tempo, era o lugar mais próximo e todos estavam com fome, mesmo que, no fim quase ninguém tenha tido coragem de comer. Houve uma migração de estômagos para fora. O Louis pediu um sanduíche e o Papi pediu um pastel de carne e um suco de laranja. Só de olhar eu já estava com desinteria. Pensei em pedir um soro caseiro, mas não encontrei no cardápio elitizado do local. Comecei a pensar no pastel. Imaginar a panela em que ele seria frito. Gordura de dias e dias. Alguém de paladar aguçado com certeza conseguiria discernir os gostos de croquete, batata frita, carne (carne?), torresmo e até bolinho de chuva. Tudo isso num único pastel. Imagino que, em vista da dificuldade de tirar a gordura incrustada na panela, esse tipo de atividade nem era feita. A gordura certamente era reposta por sobre aquela que ficava no fundo após as sucessivas frituras diárias. Mas muita gente não se importa com esse tipo de coisa. Lard, doce Lard. Colesterol. Isso é problema de gordo ou de velho. Certamente o Papi não estava preocupado com o alto teor de colesterol da massa do seu pastel de carne. Mas, e a carne? Qual seria a procedência do recheio desse pastel. Será que o Papi conseguia imaginar? Aquela carne que um dia foi croquete, que um dia foi guisado, que um dia foi bife, que um dia foi filé, que um dia foi boi, que não foi vacinado, contraiu aftosa e um dia teve que ser sacrificado. Melhor sorte a do boi, nem imaginava o que o futuro lhe reservou. Acho que o Papi não se importava com isso. Talvez nem soubesse exatamente o que é Aftosa. O Papi é um cara ligado em informática, mas também de hábitos noturnos. Freqüentador das casas badaladas de Porto Alegre. Um cara que costuma estender-se até altas horas da madrugada e, vez por outra, amanhecer bem acompanhado em alguma casa que não é a sua, ou tomando um suco de laranja pelas ruas da capital. É quase óbvio que o Papi não acorda aos domingos de manhã para ver Globo Rural e não está nem um pouco preocupado com a situação do gado nos campos pecuaristas do estado e nem com possíveis focos de abate clandestino. Enfim, enquanto eu dissertava, o Papi comeu o pastel sem restrições nem qualquer tipo de comentário sarcástico a respeito deste nobre alimento. Por educação, até ofereceu aos menos afortunados que estavam ali presenciando o seu desjejum. Nós, é claro.
Quase indo embora o Louis pediu uma Brahma Extra para o pessoal que não estava comendo e eu até me animei a tomar, apesar de já estar cheio de cerveja. Cerveja vem, certeza vai... Só o homem penitente passará.
Havia uma ruiva na mesa de trás – a última antes do banheiro – e ela estava com quatro caras aparentemente bem idiotas. Transbordavam grossura e mau gosto. Daqueles que não sabem se portar junto a uma mulher e ficam fazendo gracinhas e piadinhas escrotas, além de brincar com a comida. Montam verdadeiras montanhas-russas em seus pratos e ficam ali equilibrando o bife em cima do arroz na hora de cortar, fazendo vulcãozinho com o molho no meio do purê de batatas e enfiando a batata frita na gema mal cozida do seu ovo frito. Os cretinos estavam comendo aqueles PFs de sobra da madrugada, com arroz, feijão, batata frita murcha, salada mexicana (con gusano) e um bife que amanhã virará guisado, croquete, etc... Enquanto isso, a sacana da ruiva não parava de olhar para mim e para o Fábio, que estávamos sentados de frente para ela. Ela variava expressões sérias nos encarando e movimentos com a língua umedecendo os lábios. Com um rápido movimento de mãos entre as pernas, tirou uma calcinha visivelmente úmida. Segurei-me na mesa para não levantar enquanto ela rapidamente tirava outra calcinha, desta vez molhada. Não conseguia prestar atenção em mais nada, nem mesmo em dois caras que entraram no banheiro espancando um anão já todo ensangüentado – maldito anão, deve ter cometido algum delito grave. E a ruiva escorrega um pouco na cadeira – dá com as costas no assento – e com as duas mãos tira uma terceira calcinha. Molhadíssima. Diria que dava pra torcer aquele pedaço de intimidade que ela tinha nas mãos agora e encheríamos um copo de 300ml. Não conseguia imaginar o que mais havia por vir, e olhei para o lado percebendo que o Fábio também não conseguia tirar os olhos dela. Nós dois pensávamos a mesma coisa, mas ainda não tínhamos comentado um com o outro, só que agora estava tão na cara que não levou muito tempo para que um de nós abrisse a boca:
- Se essa ruiva não parar de olhar eu vou ter que fazer alguma coisa.
- Pois é, tô vendo.

Não interessa quem de nós falou o que primeiro. Ou se apenas pensamos. O importante é que estava explícita a resolução da coisa toda e havia um consenso nisso. Claro que o mais provável era que a gente não fosse fazer nada, mas ela tinha uma cara de ser muito sacana e eu duvido que algum daqueles idiotas conseguisse satisfizê-la em qualquer situação. Acho até que ela teria provocado qualquer um que sentasse onde nós sentamos, só pra ver o circo pegar fogo. Uma atitude típica de uma fêmea descontente, previsível e carregada de fluídos entre as pernas. Não posso dizer que não tive a curiosidade de saber o que aconteceria, mas infelizmente eram quatro idiotas, GRANDES. Provavelmente caras que faziam algum tipo de esporte, pois eles estavam com aquelas calças de time de vôlei e tênis cretinos com pintura reflexiva noturna e bical. Levantei-me em direção ao banheiro procurando uma palavra ou um gesto qualquer que me proporcionasse uma aproximação da mesa dela. Um dos caras sentado na mesa derrubou o garfo. Abaixei-me para pegar e quando já estava com o braço esticado devolvendo o garfo caído ao dono percebi que ele já havia tratado de comer com as mãos mesmo. Segurava firmemente seu bife com a mão direita enquanto que com a esquerda apanhava punhados de arroz empapado alternando com folhas de alface. “O seu garfo”. Falei. Como quem exige que o instrumento seja imediatamente recolocado em atividade para que os bons modos à mesa voltem a predominar.
- Hummmrrrrr?! Ele balbuciou quase rosnando enquanto virava a cabeça para me olhar, com a boca cheia de comida e a mandíbula ainda trabalhando.
- O seu garfo, que estava caído no chão – Acrescentei, com muito mais calma e educação, como se isso fosse fazer alguma diferença.
- Está querendo insinuar que eu não posso continuar comendo dessa maneira, ou faz questão que eu coma com um garfo sujo que estava caído no chão sujo deste restaurante sujo?!

Eu não discordo do que ele disse a respeito do chão e do restaurante, tampouco do garfo, mas, apesar de o dono do estabelecimento e os garçons terem parado imediatamente no momento que ouviram isso, o que agora me preocupava é que ele estava realmente puto da cara. Olhei ao redor procurando algum motivo para dar meia volta e sentar-me no meu lugar de onde nunca deveria ter saído, mas só o que enxerguei foram expressões de cobrança de todos que estavam ali naquele momento. Inclusive das garçonetes bigodudas de boné. Todos exigiam que eu, como o pivô da situação estabelecida, tomasse alguma providência para que o ambiente pudesse retornar ao seu clima amistoso, mas não sem que o agressor verbal fosse punido pelos impropérios ditos.
- Tá pensando o que seu FILHO DA PUTA?! Isso é um ambiente familiar, melhor lavar a sua boca suja antes de criticar a higiene do garfo, do chão, do banheiro, ou mesmo do lixo daqui!

Fui ovacionado por todos presentes no recinto e antes mesmo que ele pudesse manifestar alguma reação joguei o garfo no seu prato de comida e esvaziei o copo de suco de laranja na sua cara. Isso deve ter ardido. O Fábio estourou uma garrafa de cerveja na cabeça dele pra finalizar. E tomamos algumas cervejas por conta da casa. Louis, Fábio, Gabriel, Papi e eu. Depois, antes de ir embora a ruiva me passou seu telefone escrito num guardanapo com marca de batom. E fomos para o Kimbal.


Ou não:


- Tá pensando o que seu FILHO DA PUTA CUZÃO?! Isso é um ambiente familiar, melhor lavar a sua boca suja de merda antes de criticar a higiene do garfo, do chão, do banheiro, ou mesmo do lixo daqui!

Fui ovacionado efusivamente por todos presentes no recinto e antes mesmo que ele pudesse manifestar alguma reação finquei o garfo na sua mão e um garçom de trás do balcão me alcançou a garrafa de molho de pimenta que eu esvaziei na sua cara. Isso sim deve ter ardido. O Fábio arrematou com um cadeiraço nas costas. E tomamos muitas cervejas por conta da casa. Louis, Fábio, Gabriel, Papi, eu e a ruiva. Depois, antes de ir embora ela pagou uma chupeta. E fomos para o Kimbal.


Ou não:


- Tá pensando o que seu FILHO DA PUTA CUZÃO CHUPADOR DE PIÇA?! Isso é um ambiente familiar, melhor lavar a sua boca fudida e suja de merda antes de criticar a higiene do garfo, do chão, do banheiro, ou mesmo do lixo daqui PORRA!

No som, em um volume ensurdecedor, Rob Ralford gritava Breaking the law! Breaking the law! e o Judas Priest descia a porrada nos instrumentos. Fui ovacionado efusivamente por todos presentes no recinto com direito a chuva de cerveja e antes mesmo que ele pudesse manifestar alguma reação mordi a sua orelha arrancando um pedaço e uma cozinheira despejou sobre ele a gordura da panela onde eram fritos os pastéis, inclusive aquele que o Papi comeu. Isso com certeza ardeu, muito. O Fábio e o Louis liquidaram jogando uma CG125 em cima dele. E fizemos um churrasco com a melhor carne que eles tinham no açougue e tomamos muitas cervejas e caipirinhas por conta da casa. Louis, Fábio, Gabriel, Papi, eu, a ruiva e mais sete amigas que ela chamou por telefone. Depois, antes de ir embora, as oito nos presentearam com um strip tease simultâneo em cima das mesas e, antes que alguém pudesse pensar em algo diferente, fizemos uma orgia. E fomos para o Kimbal.


Ou não:


Eu não discordo do que ele disse a respeito do chão e do restaurante, mas, apesar de o dono do estabelecimento e os garçons terem parado imediatamente no momento que ouviram isso, o que agora me preocupava é que ele estava realmente puto da cara. Olhei ao redor procurando algum motivo para dar meia volta e sentar-me no meu lugar de onde nunca deveria ter saído, mas só o que enxerguei foram expressões de cobrança de todos que estavam ali naquele momento. Inclusive das garçonetes bigodudas de boné. Todos exigiam que eu, como o pivô da situação estabelecida, tomasse alguma providência para que o ambiente pudesse retornar ao seu clima amistoso, mas não sem que o agressor verbal fosse punido pelos impropérios ditos.
- Qualé porra! Deixem o cara comer do jeito que ele bem entende. Afinal, isso aqui é mesmo uma droga de um chiqueiro sujo!

O dono do bar que estava no caixa deu um tiro para o alto e três garçons pularam sobre o balcão jogando os aventais de lado e me seguraram até o cara levantar da mesa e me encher de porrada. Depois de eu ter cuspido três dentes e estar com um olho terrivelmente inchado, a ponto de ter perdido mais da metade do ângulo de visão, eles me arrastaram até o fim do corredor e me jogaram no chão mijado do banheiro. Tateei para me levantar e só depois fui ver que eu estava apoiado no cadáver do anão. O cara que me bateu tomou um Toddy com a aprovação geral de todos que estavam no bar e depois agarrou e beijou intensamente uma das garçonetes bigodudas de boné e avental sujo. A ruiva entrou no banheiro para fazer xixi e só então pude perceber que na verdade era um travesti com o pau maior que o meu e incontinência urinária. Por isso tantas calcinhas molhadas.


Ou não:


Levantei-me em direção ao banheiro procurando uma palavra ou um gesto qualquer que me proporcionasse uma aproximação da mesa dela. Como já é de se esperar de mulheres desse tipo, quando eu estive mais próximo da mesa ela evitou virar o rosto em minha direção e arriscar um contato de olhares tão próximo. Ela gostava de provocar à distância, para ver do que um homem é capaz e quais suas reais intenções. Os quatro caras nem se moveram. Talvez nem tenham percebido a minha presença ali. Abri a porta do banheiro e encontrei o anão bebendo água da privada – contra a sua vontade, é claro. Achei melhor ir mijar no feminino. E foda-se. Voltei para a mesa, olhei para o resto do pessoal e disse “Vamos embora!”. Ninguém manifestou qualquer tipo de reação diferente de levantar-se da mesa e caminhar em direção à saída. O Louis pagou a conta. A ruiva nos acompanhou com aquele olhar misto de sarcasmo, pedância e incompreensão, até a porta, e depois que estávamos fora fui eu que resolvi olhar bastante para ela pelas janelas do bar, tentando arrancar algum motivo para ficar ali. Esse motivo não existia. Ou eu caminho rápido demais, ou o Alfredo precisa de mais uns vinte metros de janelas. Não dá pra entender como alguém consegue ficar sentado numa mesa com um bando de cretinos, às cinco da manhã, e vendo eles comerem aquele lixo. Pessoas vemos, costumes não sabemos. Anyway, às cinco e meia, já estávamos de novo na frente do tal Kimbal Night Club. No letreiro, agora ligado, o único néon que ainda funcionava era o do Night Club, o resto estava queimado. O cartaz que o deformado tinha pendurado dizia ‘R$ 12,00 c/ 3’, nada mais do que isso e eu, com a minha cota de estupidez induzida, entendi que três era o número de indivíduos que entrariam se alguém pagasse doze reais. Então, mais do que imediatamente, contabilizei que nós cinco pagaríamos R$ 20,00. Regra de três, clássica. Uma quantia módica para se divertir mais algumas horas em boa companhia. Sem falar que precisávamos de um ponto fixo para ficar, escorar as costas e descansar os sapatos, já que eram quase seis horas da manhã e, após rodar a cidade inteira, ninguém mais se agüentava em pé.


Voltando atrás

Nenhum comentário:

Postar um comentário