04/06/2009

SWING NIGHT CLUB

Domingo, 1º de maio de 2004, dia do trabalhador – 03:30 da madrugada



- Opa, tudo bom? E o Ricardinho tá aí?

Os caras ficaram me olhando e não falaram – nem entenderam – nada. Dei um passo em frente, em direção à porta e um dos capangas da casa colocou a mão direita dentro do palito, fazendo menção de quem ia sacar a arma, mas um colega o repreendeu com uma leve balançada de cabeça. Atravessei a porta e chegando no salão logo vi as meninas todas enfeitadas e sentadas em um sofá à direita da porta conversando sabe-se lá sobre o que. Provavelmente dividindo segredos sobre os clientes habituais, suas medidas, manias e perversões. Entre um drinque e uma risada compartilhavam a decepção de mofar mais uma noite em uma casa completamente vazia. Decadência. Dava pra ver os fantasmas circulando de um lado a outro do salão. Espíritos desencarnados bailando sem preocupação ao tocar de uma melodia dos anos cinqüenta, rearranjada recentemente por algum idiota sem talento com seu tecladinho Casio. Pensei na centena de pessoas que poderiam estar se divertindo ali naquele instante, por um preço justo, e não a quantia exorbitante que era cobrada. Passei os olhos nas meninas que estavam sentadas no sofá e rapidamente localizei o meu alvo. Encarei por um instante trocando olhares e depois fiz um leve aceno com a cabeça antes de me aproximar. Ela afastou-se um pouco do resto das meninas enquanto eu sentava ao seu lado no sofá e antes mesmo de eu pensar em proferir qualquer palavra ela já estava falando. Pela reação, provavelmente me esperando.
- Veio buscar teu anel?

Ela perguntou já retirando o anel do dedo e estendendo a mão para me alcançá-lo. Eu meio que disfarcei. Dei um meio sorriso, como se estivesse disposto a deixar as coisas como estavam, tomei o anel da mão dela fugindo o olhar novamente para o lugar vazio, e tentei mudar de assunto, mas logo em seguida tratei de por o anel no meu dedo.
- Vou te dar um novo quando surgir o momento, mas agora, esse é importante pra mim.

Nem sei de que momento estava falando, talvez nunca saiba e talvez nem importe. O fato é que eu queria o anel de volta e pra ela ele realmente não significava coisa alguma. Ficamos um instante em silêncio. Ela parecia entender que eu estava bastante ciente de que havia passado a noite inteira sentada ali, naquele sofá. Discutindo bobagens e coisinhas do universo feminino que nós homens nunca jamais entenderemos. O instante de silêncio acabou. De repente, pareceu-me que ela ignorava a situação toda em que nos encontrávamos. Como se fosse possível por um momento esquecer em que ambiente estávamos os dois conversando. Isso sem falar no horário, nas pessoas ao redor e na sua indumentária. Olhou para mim seriamente e começou com aquele papo de mulher. Que eu não havia procurado ela a semana inteira e nem sequer tinha dito o meu telefone para que ela pudesse me procurar. Papo de quem quer ir pro quarto e faturar uma grana. Compensar o prejuízo da noite e conseguir uns trocados para comprar um pouco de pó e cerveja. Dançar alucinadamente até as dez da manhã e depois comer um sanduíche de presunto em uma padaria qualquer. Ou não. E eu tentava ignorar isso o tempo todo. Ouvi tudo que ela tinha pra dizer e depois sentei mais próximo e exerci uma certa pressão.
- Tá, e aí?

Acho que dei a entender as minhas intenções. Logo me perguntou se não queria encontrar com ela na saída do expediente. O que ela chamava de expediente nesse caso, era nada mais nada menos do que estar sentada a noite inteira em um sofá conversando, mas tudo bem, melhor isso do que se realmente ela estivesse trabalhando. Como o ‘expediente’ encerrava às quatro, marcamos quatro e meia no posto Ipiranga na esquina da Ramiro com a Farrapos, que era pra dar tempo dela se arrumar – e tomar um banho, espero eu. Aproveitei que ainda tinha uma hora e resolvi passar em casa para preparar minhas coisas. All dressed up for a war. No caminho liguei para a Lú e avisei da aventura. Por medida de segurança era importante deixar alguém de sobreaviso já que eu não sabia a hora que ia terminar. Arrumei a mochila, troquei de roupa e dei uma cagada pra aliviar o bucho. É sempre importante fazer isso antes de se aventurar pelas incontáveis horas que a noite reserva, até porque, foder de bucho cheio é uma merda. Conferi rapidamente o cabelo, os bolsos e os sapatos. Entupi a mochila de camisinhas que eu nunca iria usar e parti pro posto. O desconhecido, e toda a atmosfera que ele gera. As expectativas perante as possíveis frustrações. A música no rádio que não conseguia distrair a minha atenção e a vontade de consumir alguma coisa relaxante. Nesses momentos eu penso que um baseado se enquadra perfeitamente. Infelizmente eu não tinha um baseado. Nunca foi costume meu comprar ou sequer carregar maconha, sempre dei uns “pegas” eventuais, mas nunca fui um habitué. Chegando lá coloquei o carro numa vaga no canto, de frente para a parede, desci, comprei uma Brahma Extra e uns chicletes e fiquei analisando o movimento de idas e vindas, aguardando a chegada da pequena. Talvez tenha tomado duas Brahmas, não recordo exatamente, mas, de fato, ela não demorou muito. Chegou com mais duas e logo se misturaram às outras vadias que já estavam lá quando eu cheguei. Talvez até antes. Fiquei um tempo observando à distância e mascando meus chicletes, depois vesti minha roupa de macho e fui na direção delas. Me enturmei e comecei a conversar, ela foi pegar uma cerveja. A monstrinho estava junto. This monster is no human, this monster is from outta space. Quando conseguia olhar por mais de um segundo para a monstrinho ficava perplexo com a boca dela. Não pela beleza, mas sim porque os dentes dessa ordinária eram dispostos numa escalação mais esdrúxula que time de várzea japonês. Se é que existem várzeas no Japão e, se é que nas imaginárias várzeas japonesas existem times de futebol. A zaga era formada por uns quatro graúdos bem recuados, o lateral esquerdo era o típico ponta-de-lança, bem adiantado e pela direita tinha um líbero que a cada vez que eu olhava parecia estar posicionado diferente. Acho até que cobria toda a lateral. Além deles só existia mais um atacante corpulento cravado na pequena área. Era um dentão tão grande que parecia uma pastilha de Mentex saindo pra fora da boca. Um legítimo esfola-pica. A vantagem de uma dentadura assim é a falta de necessidade de usar fio-dental. Ela tranqüilamente conseguiria limpar entre os dentes com um arame de varal ou um cadarço de tênis. Duas alternativas bem mais absorventes do que o próprio fio-dental. Tento me distrair um pouco olhando para dois frentistas que duelam com suas pistolas no meio do posto. Diesel Dick versus Gus O’Line. Entrincheirados pelas bombas de combustível eles disparam litros e litros displicentemente sem se importar com celulares ligados, cigarros e assemelhados acesos e rádios pop mal sintonizadas. Qualquer coisa que possa provocar um incêndio passa desapercebida. Quase desapercebida. De repente a cretina volta tomando uma Kaiser com toda a vontade e o posto inteiro pára. Eu, perplexo com a sua falta de categoria, pergunto o porque. Eis que ela me responde que a sua “cerveja” preferida é a Kaiser. Se ainda fosse a Chiquita tudo bem, aquela merece um caminhão de Kaiser. Bem no meio da cara, e sem frear, só pra ver se endireita. Entenda-se, Kaiser não é cerveja. Nem quando é a mais gelada, nem sendo a última. Difícil é explicar isso pras categorias de base. Mas, eis que, no meio do amontoado surge uma puta e convida para ir tomar cerveja no apartamento dela. Beleza, eu pensei. A vagabunda que eu nem sabia o nome – e ainda não sei, nem me interessa – entrou na lojinha e comprou uma sacola de Kaiser, fiquei atônito, saquei vinte reais do bolso, entreguei pra ela e mandei pegar cerveja pra mim. Pra minha não-surpresa, a vagabunda voltou com outra sacola de Kaiser. Aí me irritei, entrei na loja e comprei duas Brahma Extra só pra mim. Nunca mande uma vagabunda fazer o trabalho de um homem, nunca!
Rumamos para o apartamento da vagabunda, que ficava em frente ao Alfredo – Você Conhece O Bar Alfredo? Na Ramiro. A Tutti e eu, a Chiquita, a tal vagabunda dona do AP e mais duas ordinárias. Uma eu acho que era a Chris e a outra a Juliana. No caminho fomos abordados por um gringo – esse, gringo de verdade, do estrangeiro – eu não dei bola, mas a dona do AP resolveu levar o cara junto. O lance é que ele não falava porra nenhuma em português, só chamava as vadias de linda, e a vagabunda resolveu falar com o cara. Eu nunca vi uma puta mentir tanto e olha que ela nem entendia o que ele falava. O idiota veio me perguntar:
- Speak english?
- Não – respondi. (seco, e sem reticiências)
- Español?!

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