04/06/2009

MOTEL MEDIEVAL

Domingo, 16 de maio de 2004 – Próximo do meio-dia



Terceira vez no motel com a garota de Caxias. Rua Dona Alzira, 626. Luzes vermelhas se acendem sob a cama. Bedtime stories. Ou Bad times? Foda-se. Não importa. Red Light, um DeLorean envenenado fixado rente ao teto acende seu contorno de néon azul até o quarto inteiro resplandecer numa aquarela d’O casamento do Céu e do Inferno pintado por um William Blake bêbado. Nós lá embaixo somos os diabos, é lógico. Sufocados por anjos hermafroditas. Back to the future! Para onde vamos não precisamos de estradas. Eu, pelo menos, estou alto demais. De súbito, os faróis do DeLorean explodem em luz apontando para um bom amigo que entra pela porta. Um amigo daqueles que ficou esquecido na década de Antigamente e com um olhar TENTANDO imitar o Marlon Brando agonizante de Apocalypse Now – “The horror... The horror...!” – me encara como se eu fosse uma câmera virtual e seus lábios se partem dizendo: “– Toda boa história merece uma trilogia”. Clichê blockbuster. E isso me faz lembrar porque alguns amigos devem ficar para sempre presos em Antigamente.
O DeLorean estava envenenado demais e acabou morrendo ali mesmo onde estava, apenas a bateria ainda se mantinha em funcionamento e aproveitávamos para ouvir um pouco de música. Até então... Repentinamente, nem tanto por susto, mas talvez por um lapso de piedade, arrebenta uma corda do violão do cara que toca no rádio do carro e a música arranha estrebuchadamente até calar-se e o ar-condicionado engasga durante uma golfada de oxigênio quente. O frigobar é atingido por um espasmo enquanto três latas de Coca-Cola explodem num arroto sincronizado e derramam uma gosma branca pelas frestas mal-vedadas da porta, deixando essa geladeira anã com o aspecto de um cão São Bernardo robótico espumando colerizado. Eu gozo com muita força e só me dou conta que gozei quando o meu testículo esquerdo emperra na uretra – O esquerdista parece que sempre usa de violência para reafirmar a sua presença, ao contrário do outro que ocupa apenas o seu lugar de direito no saco escrotal. As luzes apagam na velocidade da luz e enquanto ainda tenho as vistas afetadas pelo repentino assalto da escuridão consigo distinguir alguns vultos em passadas pesadas pelo chão do quarto. Ghosts! Fat ghosts! Phantom System! Após apurar os ouvidos ao máximo começo a ouvir um tipo de ‘Chamada Geral’ – Wu wu wu wu wu wu wu wu wu wu! Indian ghosts.. (com o rego de fora talvez) Seguida de um cântico popular norte americano, que, demoro a acreditar, ser interpretado por Sting e Raoni, com seus cortes de cabelo goiano-moicano que inspiraram Chitãozinho & Xororó, Rod Stewart, Ron Wood e MacGiver, dentre outros... Eles cantam um pout-porri Like a virgin/Roxanne. “– Like a virgin, you! You don’t have to put on the red light… Like a virgin, you don’t have, to wear that dress tonight.” Minha parceira derrama-se em lágrimas que evaporam rapidamente agora que o ar-condicionado voltou a funcionar transformando o quarto em uma sauna privê com pocket show mezzo internacional mezzo brasileño. Una noche en Buenos Aires! Ou algo parecido. Um jato de sangue vindo do meio de suas pernas espirra em meu peito como se fosse um balde de tinta vermelha selvagem lançado sobre a tela. Ali ele vai comportando a forma de uma enorme interrogação até ser completamente absorvido pelos fiapos de camisetas que se perderam há semanas dentro das profundezas do meu umbigo. Like a virgin mesmo?!
- Yeah! I like it...

Mais uma trilogia retrógrada e, suja ou não, sei que aparecerá um pseudo-hype no banheiro para criticá-la mijando rebeldemente no bidê enquanto eu arranco o inútil papel do controle de higiene sanitária do vaso. Desinfectado. Well, well, well... Você apostaria suas bolas nisso? Eu não... Nem as de gudi. No corredor um ciborg nerd Mackintosh, mordiscando uma maçã, revoltado com o domínio do mundo por Bill Gates, vem me abordar para comparar a minha história com a primeira trilogia de Star Wars antes de ser remasterizada, é claro, e vendida em uma caixinha dourada por um preço que o seu pai não quer pagar porque ele sabe da centena de vezes que você faltou à escola pra assistir Luke Skywalker e sua trupe ensandecida lutarem com espadas que mais pareciam aquela lanterninha paraguaia prateada e verde que todo mundo já comprou uma dúzia de vezes mesmo sabendo que elas sempre oxidam e param de funcionar. Ufa! Por fim, quando eu já dentro do carro, na garagem, descobrir que esqueci a chave do quarto dentro da pia vomitada do banheiro e voltar para buscá-la, vou encontrar um amigo maconheiro e ele vai explicar, num momento de exultação, que trilogias são um jogo de azar hollywoodiano, porque no segundo filme você já sabe que está botando dinheiro fora e mesmo assim vai ao cinema ver o terceiro, acreditando que poderá recuperar a few dollars. Dirá também que existe uma mensagem subliminar para que você compre o combo de pipoca XXXG John Holmes Size Matters com muita manteiga e três latas explosivas de Coca-Cola iguais àquelas do frigobar, para distrair-se com o souvenir promocional enquanto suas veias entopem de gordura. Declamará exausto, em sua fantasia de Pavarotti transpirando Miss Sarajevo La Donna è Móbile, que o cinema europeu é bem mais rico e você que é um preconceituoso e acha que o Almodóvar é uma grandicíssima bitchona espanhola com complexo de Édipo e que só faz filmes de sacanagem e – ainda não satisfeito – depois disso, vai dizer olhando vesgamente pro seu nariz com uma expressão de cachorro cocker incompreendido cagando na chuva: ”Tô chapado...” enquanto abre o frigobar espumante, te chama de campeão e tropeçando na própria língua dá conta de tudo que estiver ao alcance dos olhos. Chocolates, Pringles, castanha de caju, energéticos com Keep Cooler e até uma escova de dentes compacta, encerrando com “Bah, que larica que eu tava...” antes de começar a mascar uma camisinha sabor morango pra desgrudar o caju dos dentes... Na volta o ciborg ainda tenta chamar a minha atenção dissertando sobre como Mr. Gates – com seus zilhões de dólares – vai mudar a história começando por alterar os versos do previamente citado William Blake, para: “Quando as janelas da percepção forem abertas, cada coisa aparecerá para o homem como é, infinita.” E posteriormente mudará o nome do livro de Aldous Huxley e, conseqüentemente, da banda do Rei Lagarto. The Windows. É óbvio. Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado. E assim sucessivamente. Até 1984 ser reescrito, com monitores LG de 21 polegadas no lugar das ultrapassadas televisões, e o Big Brother ser realmente um virtual assumido, com todas suas experiências de Second Life. Ciborg maluco. Teen Titan. Lunático. Preciso ir embora enquanto posso.
Enquanto os diálogos elevam-se em decorrência da nossa altura, carcamanos assassinos espreitam no guichê central com suas maletas pretas recheadas de Chicken Littles al primo canto e polenta brustolada. Nenhum animal foi morto ou vítima de maus tratos nesta história, apenas os não domesticáveis, explicitamente obesos ou comestíveis. Eu descobriria mais tarde que a tal moça de fino trato nem era natural de Caxias, e de italiana não tinha nada. A família da menina era de Nova Petrópolis – no início da Rota Romântica – e dizia não ter nenhuma ligação com a máfia siciliana nem com os Travoltas do Village. Portanto, a suposta gringa na verdade era uma alemoa de cabelo tingido cor cenoura (ou possivelmente um vermelho desbotado pela péssima qualidade da tintura em conjunto com a ação do tempo) que eu achava a coisa mais linda. Mesmo sabendo não ser. Ela parecia a namorada do homem-aranha do filme novo. Aquela com a cara toda marcada por acne e que, todo mundo sabe, deu uma porção de trabalho aos maquiadores, mas mesmo assim, depois que fez a cena ‘garota camiseta molhada’, no primeiro filme, ela conseguiu tornar-se o meu motivo pra umas duas punhetas mal acabadas no intervalo das sessões. A alemoa que estava comigo era um pouco mais magra talvez. E bem mais pobre. Infinitamente...
Entre idas e vindas – umas fortes, outras sem sorte – contou-me que durante um passeio havia comprado uma touca preta, tão vagabunda que era visível, por cinco reais, num camelô catarinense sem-vergonha nem família, no centro de Porto Alegre – e que também vendia bonés da NBA e fitas falsificadas de playstation com 72 horas de garantia. E realmente, ela enfiava a metade da touca na cabeça fazendo aquela cara de estivador blasé com um sorrisinho de canto de boca disfarçando a fome, e se achava grande bosta. Mesmo sabendo não ser. Costumava também usar duas piranhinhas coloridas e engorduradas prendendo o cabelo. Uma piranha nunca está sozinha. No entanto, eu estou sentado sob um teto de espelhos na cama do motel – as luzes vermelhas apagaram-se já – depois de um bom banho quente e uma cagada sofrida, porém reflexiva e reanimadora. Shit happens. O sol que perturba através das cortinas deveria estar ocupando-se de outra coisa. Como superaquecer o planeta e/ou derreter uma calota polar, uma calota antarctica ou uma calota Brahma e etc... Ou talvez eu deva me acostumar a freqüentar motéis à noite. Parece que não tenho sorte, sempre acabo caindo num quarto em que a fechadura do banheiro não funciona, está sem chave, ou não existe. Ou então, é uma fantasia fálica que eu não me atrevo a vestir nem tocar. Depois de encher a cara com qualquer porcaria a noite toda, mijar seis dúzias de vezes ao quadrado, me alimentar pessimamente com Doritos e chicletes de menta sem sabor, e, realizar uma seqüência de exercícios abdominais trepando com essas moças reputadas durante o interminável intervalo de goles em uma cerveja choca, me dá uma vontade infinita de cagar as tripas e o maldito dilema de esperá-las dormir, pra evitar que o clima de romance vá pelos ares feito um peido seco, com uma possível entrada dela na micro-Auschvitz que se tornou o banheiro. E é claro, antes de entrar no recinto azulejado é necessário pegar a mochila com documentos, dinheiro, chaves, roupas e etc. para evitar uma surpresa na saída. Descobrir-se pelado (em todos os sentidos) em um quarto barato de motel. Quem falou em romance???
Ainda é cedo, o Faustão certamente está apresentando alguma atração estúpida – Ô Loco meu! – mas por hoje já terminamos e ela jaz dormindo ao meu lado. Curiosamente, está com as pernas arqueadas para cima como eu nunca vi ninguém dormir e acreditaria que está fingindo se algum vagabundo viesse me contar. É uma criatura angelical from hell – nem hesito em elogiar com palavras falsas – sei que não ousaria sequer roncar ou elaborar frases com nomes alheios, mas de repente está emitindo sons ritmados e orgânicos que eu não consigo discernir. Serão peidos ou o ar que eu bombeei pra dentro da sua buceta peladinha voltando pra me dizer oi? Simplesmente oi. Um oi seco, muito diferente daquele oooooooooi.. esticado e meloso e com hálito de latéx lubrificado sabor morango com água sanitária, que elas te dão quando vêm na janela do carro oferecer uma chupada biboquê ou algo mais complexo. Aproximo o rosto da sua máquina excretora tentando ajustar minha enorme cabeça no vão de suas pernas arqueadas, como se brincasse de barraquinha. Pronto. Agora, cara a cara com o buraco negro, percebo que estou encurralado. Vejo aproximando-se um enorme ser verminoso serpenteando em minha direção com enormes dentes amarelos dispostos a me triturar (acho que eram grãos de milho de algum cachorro quente azedo de buffet), minha cabeça transforma-se subitamente na nave Millenium Falcon e um neurônio acordado em meu cérebro fantasia uma experiência Han Solo fugindo da enorme minhoca habitante de um planeta desconhecido que os rebeldes usam para esconder-se durante uma perseguição no Episódio V. Tento desviar das pernas sem deixar por um momento de dar a atenção necessária a essa ameaça que agora me aflige. As tropas que vem do bucho. Acho que andei exagerando nas drogas, melhor reduzir o consumo de maconha, coca-cola, haxixe, metadona, cocaína, cafetina, peidadona... Enfim, onde estão meus amigos agora que eu preciso entrar na linha? Respiro fundo, mudo de assunto, ligo e desligo a TV, confiro se a porta está realmente fechada, ligo e desligo a TV, abro a porta bruscamente pra ter certeza de que não há ninguém espionando pelo buraco da fechadura, ligo e desligo a TV. Nada. Talvez alguns cupins de cú grande passeando pelos infinitos corredores arquitetados dentro das portas, marcos e rodapés. Procuro não dar importância enquanto o rádio vomita La Bamba. Preciso achar uma distração além deste caderno, e encontro um veneno. Come on baby, light my fire. Deixe-me deitado e me forneça um banho lubrificante com metanol ou levante-me e vou preparar mais um copo de cachaça com Coca e limão. Cada vez mais cachaça, menos Coca e logo os gomos de limão que eu peguei no Habib’s vão acabar. Sim, pra alimentar o consumismo desta merda de história eu vou colocar um pouco de Fast Food de fundo de quintal. “Somos amigos”. É o que eles dizem. Como soldados americanos explodindo as barrigas de vento das crianças pardas da Etiópia que se libertam da fome e voltarão para encravar as unhas dos pés de embaixadores da ONU que usaram o dinheiro pró-alimentação para fazer uma orgia anal com gueixas tailandesas que ejetam bolas de ping-pong pela buceta a mais de 80 Km/h. Cuidado com o radar móvel...
De fato, nós havíamos ido até lá no meio da madrugada para agredir um pouco o estômago, logo após ter comprado uma garrafa de Velho Barreiro pelo dobro do preço, em uma casa do Big Brother (não o Big Brother de Bill Gates, não ainda, eu acho..) disfarçada de loja de conveniência, em que o caixa levou dois minutos para ver o meu dinheiro sobre o balcão porque olhava para a câmera dizendo “Eu vou votar pra que eles saiam da loja, porque só pensam em festa e não precisam do dinheiro tanto quanto eu.” Ele analisa nós dois de cima a baixo e conclui com os sete centímetros de virilidade e certeza que todo oriental administrador de AmPm tem: “Ela pode posar pra Playboy por uns trocados e ele aceitaria ser ridicularizado comendo uma pizza no programa do Faustão – aquele gordo em formato de coxinha.” Se esse japa pervertido soubesse como foi a minha tarde de domingo ele concluiria instantaneamente que eu daria o meu sexto dedo do pé direito para estar comendo pizza até vomitar no programa do Faustão. Infelizmente esse sexto dedo não resistiu aos inúmeros sapatos apertados que a vida me proporcionou e acabou se transformando num enorme calo que migrou para o calcanhar. Enfim, danem-se a Playboy, os japas pervertidos, o Faustão e todos os gordos em formato de coxinha que estiverem perdidos pelo mundo procurando seus 30 segundos de fama. Virem-se!
Eu, particularmente, gosto de Velho Barreiro – do tradicional, mas muito mais do Gold – mesmo sabendo se tratar de uma cachaça barata e de qualidade inferior. Bem, talvez não tenhamos ido ao Habib’s “tão logo após ter comprado a cachaça...” (isso tudo poderia ser uma mentira bem contada) Na verdade estacionei no Parcão e entre uma conversa estúpida e outra erótica, íamos bebendo aquele Barreiro com Coca-Cola num copo plástico sem a mínima graça. Lá pelas três da manhã, já não havia uma viva alma por perto, nem os marrecos desalmados do laguinho, e o Bucannero – único bar da redondeza – já tinha encerrado o bang-bang habitual, expulsou os últimos xerifes barrigudos e hemorróidicos e as pistoleiras kamikazes em trajes globeleza que freqüentam a casa tentando molhar a garganta de graça com algo diferente de leite tipo Humano, viscoso e aderente que lhes oferecem os gentis cavalheiros. Porra, mas só isso? Agora o estacionamento da rua Comendador Caminha era nosso, poderíamos sapatear com um par de Congas radioativos e ninguém exerceria qualquer tipo de expressão. Embaçávamos com o suor dos corpos e nosso bafo de cachaça os poucos vidros do único carro a fazer sombra nos irregulares paralelepípedos umedecidos pelo orvalho. Após alguns volumes de álcool com Gatorade de açaí transgênico, fomos dar uma caminhada saudável pelo parque vazio, e sentamos para namorar um pouco num banco molhado próximo à pracinha. Namorar depois de meia garrafa de Barreiro é algo incrivelmente breve. Logo eu já havia baixado a sua blusa sem notar qualquer tipo de resistência e estava beijando seus peitinhos firmes enquanto ela se ajeitava sofregamente em cima do meu tico (Tico, é nada mais nada menos do que o intermediário entre pinto e caralho. Um tanto maior que o primeiro e um tanto menor que o segundo), e ali ficamos alguns minutos esfregando, encaixando e machucando, até que uma luz cresceu em nossa direção. Apesar de eu já estar bêbado (pode haver mentiras, mas não há ovnis nessa história), tive certeza de que era apenas uma viatura da Brigada Militar. Circulando pelo parque, com dois desocupados provavelmente provando a veracidade das drogas apreendidas naquela noite. Mesmo à distância, apontou os faróis da sua Palio Adventure em nossa direção e acelerou bruscamente sulcando a areia do chão do parquinho enquanto sob um capô aberto o motor bufava e expelia labaredas de mais de dois metros em nossa direção. Quando o veículo aproximou-se mais, pude ver que se tratava de, ninguém mais, ninguém menos do que Sgto. Drunk Shot e Cabo Sam Chupiça. Provavelmente fiscalizavam o gigante Moinho de Vento para que ele não arredasse pé do parque e, tomado de fúria, atacasse as residências dos bem afortunados do bairro que leva o seu nome. Não esta noite pelo menos. Essa noite não. O calor na retina foi a deixa para voltarmos à nossa realidade ingrata e, além do Barreiro, para que tomássemos também o rumo do Habib’s, do outro lado da rua ao mesmo tempo que a Palio Adventure alçava um vôo mais alto impulsionada pela angulação das gangorras pintadas de cores vermelho e amarelo descascados. Pátina de baixos custos para embelezar os parques sem agredir o orçamento dos cofres públicos. Tive a breve impressão de ver o chefe indígena Cuffa Spoon camuflado atrás de algum arbusto nos limites do parque, emitindo sinais de fumaça. Ou talvez fosse apenas algum maconheiro. Anyway. Uma caminhada breve para atravessar o restante do parque e a avenida. Cardápio na entrada. Sorrisos nem tão sinceros. Mesa do canto à esquerda de quem entra e próxima à janela. Terceiro corredor. Visão periférica do parque. Ela fez um lanche, cheeseburguers, eu tomei a mini-caipirinha e o chopp da promoção. Muita gente estranha nas mesas ao redor. Esfihas, esfihas, pimenta, azeite de oliva, esfihas, mostarda, catchup, pimenta, esfihas, esfihas. Muita gente estranha e com fome. O refugo da noite porto-alegrense. Gente que não quer chegar em casa. Que nunca quer chegar em casa. Não tão cedo. Alguns que, felizmente, nem vão chegar mesmo. Na saída, dirigindo-me ao caixa, peguei alguns gomos de limão avulsos que ficam numa bandeja sobre o balcão esperando uma caipirinha que nunca vem. Virá! Impávida que nem Muhammed Ali. Virá que eu vi.
Pois bem, voltando ao fudido quarto de motel, eu agora estou em frente ao frigobar e para amplificar a insatisfação, esses gomos de limão by Habib’s estão acabando. Em não tão alto, mas muito bom som, Trent Reznor reflete: “This world rejects me (...) this world never gave me a chance”, e eu poderia consolá-lo: “Trent, tem uma tremenda bad girl pelada dormindo do meu lado que não pára de peidar. Meus limões estão acabando, a Coca-cola já perdeu o gás há horas e eu vou rezar uma semana para o meu pau subir de novo. Relaxa cara, você fez bons discos”. Burn! Ou burp, que seja..
Sigo em frente, irmão caminhoneiro. Ela me contou um pouco da sua história hoje, e o que eu contei da minha parece tê-la encantado o suficiente. Mesmo que não seja verdade. Mesmo que ela nunca mais pare de vomitar. Contou que a sua família é enorme, sete irmãs e dois irmãos. Bota o pai no ataque e a mãe no gol e deixa de ser uma família pra virar um time de futebol de várzea. Parece que as irmãs mais novas são muito bonitinhas e bastante requisitadas pelos meninos locais. Alemãozinhos comedores de chucrute e salsicha bock, chope y dança. Com suas calças verdes e suspensórios e amores por Jürgen Klinsmann e Josef Mengele. Dentre todas, ela é a única que não teve namorado. Foi ser comida a primeira vez só com vinte e dois anos, e ninguém lhe escreveu cartas de amor na adolescência. Nem depois, eu acho. Pelo menos foi a versão da história que eu conheci, e confesso, se não for verdade eu tomo a próxima dose sem gelo. Sem anestesia, por favor. O que não considero sacrifício nenhum diante dos fatos. Só tendo um passado desses pra ficar feliz ao lado de um cretino como eu. Um querosena full time. Mas, o que eu estou dizendo? Ela não pára de peidar! Vou acender um isqueiro e tocar fogo no motel. Burn baby, burn! Incendiar o castelo do Rei Arthur com o meu novo lança-chamas germânico. Yeah! Fuck it. Um dia, no futuro, vou rir de tudo isso. Se eu ainda tiver dentes.
Em resumo, o pai era alcoólatra. Eu bebo sim... e estou vivendo, tem gente que não bebe... Com seus vinte e oito ou trinta anos largou tudo e se dedicou a viver em botecos em meio à cachaça e ao jogo. QUANTO VALE O SHOW?! A mãe trabalhava em uma cozinha industrial fazendo frango assado e outras peripécias e manabalismos mil, e sustentava a família, além de tomar pau todo dia. Ok, aqui o substantivo ‘pau’ não se refere a sexo nem a órgão sexual. Ela apanhava feio mesmo. O cara era durão. Macho Man. Um Bronco perdido nos pampas. Meu ídolo, sete filhas e só uma virou puta. Por enquanto é o que eu sei. O que eu provei e posso provar. Com bastante pimenta, faz favor!
Cacete, que trago. Que estrago. Olho ao redor e me apavoro com a quantidade de ‘eus’ que aparecem nos espelhos. Estou sendo vigiado ou ficando bêbado? Big Brother Bebum.
Ela contou que um dia o pai foi procurar os alcoólicos anônimos. A unidade de apoio mais próxima era em Jaguarão do Sul, e, após meses de trabalho de afastamento do álcool, metanol y otras cositas, quando ele finalmente voltou pra casa, ligou a televisão e sentou com a família para tentar digerir alguma manifestação de cultura, surpreendeu-se com Tony “eu era um lobisomem adolescente” Ramos apresentando o segundo episódio do extinto Você Decide. Coincidentemente, se tratava de um caso de alcoolismo. Aquilo marcou a família toda, pois neste dia ele decidiu parar de beber. Claro que algum tempo depois voltaria a beber socialmente e criticar os pinguços ao seu redor. São as leis da natureza. Esse ERA o meu ídolo. A mãe dela devia se prostituir também, mas nunca assumiu publicamente (isso lá é capa pra Zero Hora de domingo?), só assim pra sustentar uma família tão grande, com suas manias e piranhinhas, e um cachaceiro old school. Essa história de cozinha industrial me parece muito fantasiosa. Se meu pai fosse um alcoólatra e minha mãe trabalhasse em uma cozinha industrial, eu ia virar skinhead, não prostituta. Você se lembra da minha vó? Continua a mesma puta, mas os meus cabelos... quanta diferença. E aqui estou eu, quase lá, pelo menos as drogas eu larguei. Pelo menos por enquanto...
Eu a conheci há um mês. Perdido na noite, sem ter pra onde ir, fui para ‘O bar onde as putas vão depois do expediente’. Só que eu nunca havia ido antes e de repente estava lá na frente às quatro e meia da manhã de um Sábado. Bêbado. Completamente cheirado. Nunca consegui identificar o local à luz do dia, mas ele está lá me esperando. Isso eu tenho certeza.

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