04/06/2009

REPUBLIC PUB

Sexta Feira, 23 de abril de 2004 – 23:00 aproximadamente.



Fomos para lá e havia alguns tipos esquisitos na entrada. Um cara que mais parecia um mico-leão-dourado num corpo de gorila. Nada podia ser mais ridículo, nem o gordinho da Bidê ou Balde, nem o Albino. O cara tinha feito luzes no cabelo, no estilo Bon Jovi Keep the Faith, usava uma camiseta justinha sem manga, espremendo todas as graxas que ele comportava – uma filial ambulante do Brasinha, com uma variedade de pneus desde bicicleta Caloi 10 até trator Massei Fergusson – e ainda um óculos de sol fashion-pobre colorido. O infeliz ria pelos cotovelos fazendo pose de gostoso e eu só de olhar praquele macacão loiro já ficava com vontade de chamar o Spectreman, aquele outro super-herói japonês. “DOMINANTES ÀS ORDENS!” E ele ia fazer o graxudo engolir aquele óculos e soltar raio laser pelo cú (ou luz negra talvez). Entramos e fomos direto ao ponto, onde estava rolando a festa. Lá em cima, pra minha surpresa, estava tocando uma dessas bandas de baile modernas, que tocam quase tudo, mas não são tão chatas quanto aquelas de formatura e casamento, ainda mais quando se está bêbado – tanto que o pessoal estava gostando bastante. A única pessoa na festa que parecia não estar gostando era justamente a mulher mais bonita do lugar, e ela estava sentada num canto no fundo do salão olhando meio sem brilho pra lugar nenhum. Tem o perfume dos anjos. Goldie. Ela diz que seu nome é Goldie. Ou talvez eu apenas tenha imaginado isso? Sim, sim, é o mais provável. Ela talvez até fosse muda e tivesse perna mecânica, nunca saberei. Acompanhei-a com os olhos a noite inteira mas não fui capaz de esboçar qualquer movimento em sua direção. Ela merecia o que quisesse e talvez fosse aquilo mesmo, a inércia total.
Comecei a tomar umas cervejas, apenas para ter algum motivo de circular lá dentro e então o Fábio e eu fomos até o terraço dar uma olhada na rua e tomar um ar, além das cervejas. Pero nada me hará tan feliz como dos margueritas. O Louis chegou trazendo uma marguerita e o Gabriel, e logo nós detonamos a marguerita que rapidamente foi substituída à altura, por outra. As horas iam passando sem grandes novidades e de repente sobe ao palco o graxudo e toma o microfone. Péssima novidade. Começou ali uma sessão de funk Jota Quest e aqueles clichês básicos como Primavera, Você, e outras coisas que o Tim Maia cantou, além de uma coleção de Jorge Ben Jor e Noite de Prazer do Cláudio Zoli, aquela clássica e já insuportável do refrão ‘...trocando de biquíni sem parar...’. O Donkey Kong não parava de suar e àquela altura, ele já estava quase se tornando a bola espelhada da festa, o suor nele fazia a iluminação do palco refletir. E ninguém parecia se importar com isso, apenas eu. Aquele macacão estava ofuscando os músicos todos. O tecladista, que já havia desistido de tocar a horas, pegou seu copinho de Natu Nobilis e foi sentar-se na mesa com a namorada enquanto o guitarrista começou a dar umas pegadas no microfone pra ver se o gordo aliviava. O vocalista da banda a essa altura já tinha enchido a cara e começou a encher também a paciência de todas as coroas da festa. Felizmente o cara era feio pra caralho e ninguém dava bola pra ele. Mas, por coincidência, também não estavam dando bola pra gente. Soy un perdedor, I’m a loser baby, so why don’t you kill me? Perdedor ao extremo, só conseguia atenção no palco com um microfone na mão. De resto, era só mais um feio tentando aprender o balé envenenado da vida. Começamos a perder a paciência, de tempo em tempo íamos ao encontro uns dos outros pra comentar que a festa não estava sendo exatamente uma “festa”. Um após o outro, não parávamos de perguntar pro Bandeira que horas ele ia começar a trabalhar, porque a banda não parava de tocar. Enxotaram o mico sagüi do palco e o guitarrista assumiu os vocais sem grandes demonstrações de talento nem de vontade. Já era hora mesmo de a banda parar, eu já estava cansado por eles, apenas simulando uma dancinha estúpida do outro lado do salão, tentando me aproximar de umas titias que estavam pra lá de bêbadas e de repente me pareceu a oportunidade mais sólida de eu me engatar numa coroa. Aquela velha história, “não sou rei, mas adoro...” Em pouco tempo, eu acho que elas sentiram minhas reais intenções – que comecei a esfregar o peru nelas enquanto dançava – e caíram fora. A essa hora eu já tinha desistido da educação que me foi dada nas rigorosas escolas da Europa. A bonitona já tinha ido embora, talvez sua perna mecânica tenha atrofiado por ficar na mesma posição a noite toda, ou tenha tido uma cãibra pela falta de potássio. O Monkey Man foi visto no fim da noite dependurado sobre uma caixa de som agarrado em um cacho de banana. Poderia ter sido mais útil. Agora só restava uma máquina na pista, mas eu não sabia se o cara que estava perto dela pilotava ou apenas estava auxiliando no pit stop, pagando os drinks. Na dúvida, preferi não arriscar. Era uma mulher espetacular, dançava frenéticamente usando uma roupa vermelha justinha, talvez de couro, reluzente e extremamente sensual. Uma Ferrari. Ela parecia uma Ferrari. Se dissesse que tinha vinte e cinco anos eu até que não ia acreditar, mas que ela aparentava uns dez anos a menos do que devia ter, isso sim era verdade. Uma mulher de uns quarenta anos, com certeza, mas, respeito acima de tudo. E ela tinha peito e tudo em cima.
Finalmente, diferente de nós solteirões convictos e com grandes dificuldades de se relacionar, um amigo do Papi meio metido a forte, fez a proeza de pegar a mina mais gorda da festa e tava se achando o bom. Pobre dele, nem pra dar um baguinho ela serviu. A mina foi embora com a mãe e ele ficou chupando dedo. Como é que um cara consegue deixar escapar a mais gorda da festa? Essa mina deveria estar louca pra dar, ela com certeza deve passar a vida procurando um cara que tenha um pau grande o suficiente para ultrapassar as infinitas dermes dela e alcançar a sua buceta fedorenta e assada depois de uma noite de dança. E, é claro, um cara com Q.I. inversamente proporcional ao tamanho do pinto, ou uma exclusiva dificuldade de discernimento que impeça de ver as suas dimensões avantajadas. Talvez tenha sido melhor pra ele ficar só na punheta. Na maioria das vezes é o melhor que se tem a fazer. Evil dick! Nós somos uma família de perdedores.
A banda pediu um tempo e eu percebi que tinha encerrado. Começaram a guardar tudo, já eram duas e meia da manhã, finalmente o Bandeira ia tocar. Só que ele não chegou a tocar nem dez músicas e já tinha ido todo mundo embora. Na verdade, acho que nem dez minutos. Mal percebemos que o Bandeira estava tocando e já não tinha mais ninguém na “festa”. Apenas nós. O dono do bar sentiu o prejuízo e forçou a banda a subir no palco e começar de novo, mas já era tarde, a casa estava vazia. Acho que até alguns dos garçons já tinham ido pra casa. O repertório dele não estava ruim, apenas eu acho que os coroas queriam era ver a banda mesmo, com direito a pocket show do gordo de óculos de sol espelhado (se é que algo dessa dimensão pode ser chamado de pocket) e crooner convencido varrendo as mulheres da pista para longe. No pouco tempo que teve, o nosso amigo Dj tentou recuperar o público perdido e evitar que as pessoas que tinham ido ao banheiro mijar antes de ir embora realmente fossem. Tanto que ele tocou até um Dee Lite. Não tem quem não goste de Dee Lite. Groove is in the heart. Óculos estrelados. Bootsy Collins e coisa e tal.
Acabamos acatando a decisão do público em geral e tomamos o rumo da rua também. Nós descemos as escadas até o guichê de pagamento e o Bandeira liberou o couvert de todo mundo, cada um pagou aquilo que tinha bebido e só, até porque na verdade ninguém tinha aproveitado nem uma música que ele tocou. Infelizmente. Quando liquidamos as consumações todas e ele achou que ia sair junto pra fazer outra trilha com o pessoal, o dono do lugar chamou-o e mandou ficar. Alegando que ele ainda ia trabalhar aquela noite. Porra, sem noção. O cara tinha cheirado um resto de CasCola no apartamento da Xanda antes de ir pra lá e depois começou a tomar ceva, deu uns tecos e ainda queria dar mais? Dessa vez o Bandeira queimou o filme legal. Pelo menos foi isso o que eu pensei na hora, felizmente, eu acho que o pessoal do bar não esquentou muito a cabeça. Esse é o Bandeira. Sempre dando bandeira. Black Flag.
Nós que ainda podíamos, saímos e paramos na esquina. Tentamos fazer algum tipo de proteção, mas o vento era muito forte pra esticar alguma coisa ali. De repente, do nada, da escuridão da rua em que estávamos surgiu o Demutti e um amigo caminhando na nossa direção. Ele se aproximou, cumprimentou o pessoal todo e mostrou um porta-incenso que tinha comprado de algum maldito-hippie-sujo-maconheiro do Brique da Redenção e eu peguei uma ‘carona’ com eles pra buscar meu carro na frente do Ossip, ainda pensando em tomar uma ceva por lá antes de voltar.
Já estava fechado. Fiz a volta na quadra e fui encontrar os Terroristas na esquina da José do Patrocínio com a República. Depois de discutir sobre o que ia se fazer, eu e o Gabriel fomos pegar o carro do avô dele nos fundos da casa do Louis e encontrar o resto na esquina do Ossip. Nem sei porque, já que estava fechado. Falta de comunicação.
Trupe reunida novamente, conversamos até decidir ir para algum lugar. Gabriel, Louis e Fábio no Escort e eu e o Papi no Gol. Fomos em direção ao galpão do IBGE, onde freqüentemente rolavam as festas do Oito e Meio Bar e do Atelier, pra ver se estava rolando alguma coisa e, apesar da hora, nós íamos entrar de qualquer jeito. Já era quatro da manhã, eu estacionei, peguei minha mochila e fui trocar de roupa dentro do carro, eu não ia enfiar meu sapato naquele barreiro, que nem velho era, tendo um tênis e uma bermuda na mochila. O Gabriel entrou do lado do passageiro e esticou duas linhas sobre o painel. Mandou ver numa e deixou a outra pra mim. Pra quando terminasse de trocar de roupa. Dei um teco e botei um blusão de moletom porque estava frio pra cacete, eu achei até que os meus dentes iam cair – e olha que já fazia tempo que eles estavam anestesiados. Quando chegamos no portão para entrar o porteiro disse que a festa era particular e já estava acabando. Mesmo pagando nós não poderíamos entrar. Ainda insistimos por um tempo, mas ele firmou sua posição e definitivamente ficamos de fora. Então já era. Nada de açoitar cavalo morto. Voltamos pros carros e resolvemos decidir pra onde ir. A primeira opção era o Habib’s já que todo mundo estava com fome e a fim de economizar uns pilas pra cerveja de sábado, mas o Louis não queria ir lá de jeito nenhum – até hoje não sei porquê – como não aparecia uma segunda opção, eu falei: “Vamos pro Habib’s depois lá a gente decide se vai pra outro lugar.”
E ele então concordou. O importante era não ficar parado ali, até porque estávamos com um monte de coisa “em cima”. Como era o Fábio quem estava dirigindo o Escort e não o Gabriel, tive que ir com calma, pois o Papi não parava de resmungar:
- O Fábio é maneta na direção, fica se amarrando. Fica se amarrando.

Talvez o problema do Papi fosse fome, ou alguma experiência antiga com o Fábio no volante. Não sei, o fato é que fui calmamente para o Habib’s e, sem sombra de dúvida, chegamos antes. Mas, logo encostei o carro na entrada e eles pararam do nosso lado. O Louis se retorcia em gestos violentos de dentro do Escort tentando chamar nossa atenção para que baixássemos o vidro do carona.
- Vamos pro bar onde as putas terminam a noite, tu sabe onde é?
- É um pouco antes do hotel Umbu, tô indo.

Fomos. Ninguém pegou nem uma esfiha pra distrair as lombrigas. Na verdade o tal bar fica bem antes do hotel, mas naquela altura do campeonato já não importava mais. Subi a Mostardeiro (o trecho entre a Goethe e a Cel. Bordini, é claro) e dobrei à esquerda. Desci toda a Bordini e quando chegou na esquina com a Cristóvão Colombo eu fiz uma barbeiragem rápida e entrei à esquerda, mas o Fábio seguiu a legislação e dobrou à direita na Benjamin, seguindo em direção totalmente contrária ao nosso destino. Imagino a volta que ele deve ter feito. Segui pela Cristóvão e como se estivesse sendo guiado pelo capeta dobrei na Conde de Porto Alegre e depois à esquerda na Farrapos, rodei mais um pouco e encostei. Bem na frente do lugar. Não sei como, pois na Farrapos existem uns vinte inferninhos desse tipo e não tinha nenhuma placa que indicasse este, e mesmo que tivesse, nós nem sequer imaginávamos o nome. Passados uns dez a quinze minutos aproximadamente, apareceu o Escort no meu retrovisor esquerdo e eu fiz sinal pra eles encostarem na minha frente. Já desci arriando o Fábio pela volta que ele fez e ele me contou que tinha passado na frente da Taberna e ainda estava aberta, tinha um pessoal novo saindo. Esse pessoal novo eu acredito que fosse a turma do Christian.
O Christian é uma figura, ele chegou na Taberna um pouco antes de eu ir embora, mais ou menos sete da noite, e estava saindo agora, é aquele tipo de cara que está na lista negra da cirrose, só ele é que não sabe. Ou sabe e nem se importa, bebe pra esquecer. Isso inclusive. Eu, durante muito tempo, odiei o Christian por ele chegar no bar segunda-feira à meia-noite e ficar ali pedindo dois ou três choppinhos, cada um demorando mais de quarenta minutos para ser consumido, quando eu já estava louco pra ir pra casa dormir e ele já tinha tomado duas dúzias de cerveja em algum outro bar. Hoje eu respeito e até acho que ele tem futuro. Não muito, mas algum. Grande cara o Christian. Eu nem sei se é assim que se escreve. Foda-se. Nada na minha vida depende de saber escrever corretamente o nome de um ‘cachaça’.
Cortado o papo furado, entrei no carro e troquei de roupa novamente, estava ficando frio e este era um lugar interessante de se entrar de sapato e camisa social, não de bermuda, tênis e moletom. Puta gosta disso, dá impressão de status. Executivo. O que não era o meu caso. Não dessa vez pelo menos.


Corta

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